sexta-feira, 30 de julho de 2010

O POETA PANTANEIRO

"A quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso."






Hoje vou falar de um dos Poetas mais fascinantes que já conheci: MANOEL WENCESLAU LEITE DE BARROS.Nascido em Corumbá, no Mato Grosso do Sul,em 1916,este Senhor-Criança,de 93 anos,encantou-me desde a primeira vez que ouvi falar em seu nome.O ano foi 2003 ou 2004( não lembro ao certo).Fátima Bernardes chamou uma matéria do Jornal Nacional,festejando o aniversário do escritor.Fiquei fascinado quando vi aquela figura calma,serena e tranquila de um simpático velhinho sentado em sua rede e falando,sorridente, de seu amor pelo Pantanal,pelos pássaros,pela Natureza.Daí em diante,vasculhei a internet e desbravei esse universo mágico e irresistível de Manoel de Barros.
Acho que o que mais me atraiu no "Poeta Pantaneiro" foi seu modo diferente de fazer poesia,sua maneira peculiar de enxergar as coisas simples da vida,fugindo completamente do lugar comum.As matérias primas desse agradável sul mato-grossense são caracóis,caramujos,pedras,passarinhos,borboletas,abelhas, rio,vento.O poeta procura buscar em seus textos as lembranças ligadas à terra.Tudo sob o olhar da criança,que existe dentro de cada um de nós.


ILUMINURAS DE MARTHA BARROS - Filha do Poeta

As aquarelas foram feitas para ilustrar algumas obras do escritor.Sobre elas,Barros tem uma explicação bem ao estilo de sua poesia:

"tinha que existir uma pintura totalmente livre da dependência da figura-objeto que como a música não ilustra coisa alguma, não conta uma história, não conta um mito. Tal pintura contenta-se em evocar os reinos incomunicáveis do espírito, onde o sonho se torna pensamento, onde o traço se torna existência."












Manoel de Barros quebra o pragmatismo da poesia.Ele usa despropósitos para construir seus textos.

"Berta Waldman falando sobre o poeta coloca que a fim de acompanhar a realidade em estado de metamorfose este mutila a sintaxe, transforma verbos em substantivos e vice versa, mistura palavras de uso regional com outras clássicas, dando plasticidade à linguagem de tal modo que esta parece se tornar pequena e sem importância, humilde."



PÁSSARO

Rios e mariposas
Emprenhados de Sol
Eis um dia de pássaro ganho.


A DESCOBERTA

anos de estudo
e pesquisas:
Era no amanhecer
Que as formigas escolhiam seus vestidos



ACHO UM PRIMOR ESSAS FRASES:


"Grilo faz a noite menor para ele caber."

"Caramujos ajudam as árvores a crescer."

"Cheio de vogais pelas pernas vai o caranguejo soletrando-se."

"Os Girassóis têm dom de auroras."


"Dentro da mata no entardecer o canto dos pássaros é Sinfônico."







Tudo que não invento é falso




O Menino que Carregava Água Na Peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento
e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos


EXERCÍCIOS DE SER CRIANÇA





“No quintal a gente gostava de brincar com palavras
mais do que de bicicleta.

Principalmente porque ninguém possuía bicicleta.
A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim:
O céu tem três letras
O sol tem três letras
O inseto é maior.
O que parecia um despropósito
Para nós não era um despropósito.
Porque o inseto tem seis letras e o sol só tem três
Logo o inseto é maior (Aqui entrava a lógica?)
Meu irmão que era estudado falou quê lógica quê nada
Isso é sofisma. A gente boiou no sofisma.
Ele disse que sofisma é risco n´água. Entendemos tudo”.


MEMÓRIAS INVENTADAS: A INFÂNCIA








"Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o que quisesse ser só usando esse advérbio. Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou tem hora que eu sou quando uma pedra. E sendo uma pedra eu posso conviver com os lagartos e os musgos. Assim: tem hora eu sou quando um rio. E as garças me beijam e me abençoam. Essa era uma teoria que a gente inventava nas tardes. Hoje eu estou quando infante. Eu resolvi voltar quando infante por um gosto de voltar. Como quem aprecia de ir às origens de uma coisa ou de um ser. Então agora eu estou quando infante. Agora nossos irmãos, nosso pai, nossa mãe e todos moramos no rancho de palha perto de uma aguada. O rancho não tinha frente nem fundo. O mato chegava perto, quase roçava nas palhas. A mãe cozinhava, lavava e costurava para nós."

MEMÓRIAS INVENTADAS: A SEGUNDA INFÂNCIA







O Menino Que Ganhou Um Rio

Minha mãe me deu um rio.
Era dia de meu aniversário e ela não sabia
o que me presentear.
Fazia tempo que os mascates não passavam
naquele lugar esquecido.
Se o mascate passasse minha mãe compraria
rapadura
ou bolachinhas para me dar.
Mas como não passara o mascate, minha mãe me
deu um rio.
Era o mesmo rio que passava atrás de casa.
Eu estimei o presente mais do que fosse uma
rapadura do mascate.
Meu irmão ficou magoado porque ele gostava
do rio igual aos outros.
A mãe prometeu que no aniversário de meu
irmão
ela iria dar uma árvore para ele.
Uma que fosse coberta de pássaros.
Eu bem ouvi a promessa que a mãe fizera
ao meu irmão
e achei legal.
Os pássaros ficavam durante o dia nas margens
do meu rio
e de noite eles iriam dormir na árvore do
meu irmão.
Meu irmão me provocava assim:
a minha árvore deu lindas flores em Setembro.
E o seu rio não dá flores!
Eu respondia que a árvore dele não dava
piraputanga.
Era verdade, mas o que nos unia demais eram
os banhos nus no rio entre os pássaros.
Nesse ponto nossa vida era um afago!

MEMÓRIAS INVENTADAS: A TERCEIRA INFÂNCIA






Ler Manoel de Barros tornou-se um vício do qual não quero mais me livrar!!!

Termino este post com o coração transbordando de alegria,Queridos...
Voltarei a escrever sobre o "Poeta Pantaneiro" mais vezes. Um abraço e até a próxima!






























Um comentário:

  1. Que maravilhoso, cara! Sem sombra de dúvidas, um dos "maiores poetas do mundo de todos os tempos"! Expressão bem exagerada, contrária a simplicidade do "poeta pantaneiro". Não há como expressar tamanha grandiosidade, genialidade. E claro, conheço-o apenas graças ao grande escritor deste blog. Parabéns, cara. Com certeza serás um dos "maiores comunicadores" deste país. É deveras parazeroso ler tuas postagens e sobre Monoel de Barros então...

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